Gula

Em sua cozinha ele preparava seu jantar. Carne. Não suportava a ideia de que existiam pessoas vegetarianas, ele sempre gostou da ideia de que humanos estavam no topo da cadeia alimentar. E ele um pouco mais acima.

Estava com fome, não, estava faminto, mas sabia que não deveria ter pressa. Era necessário saborear todas as etapas de uma boa refeição, desde escolher sua presa, ir à caça, e preparar um alimento com perfeição. Um de seus vários vícios era ser perfeccionista com relação a sua refeição.

Ele olhava para sua presa com fome, estava utilizando uma antiga técnica que havia aprendido há… Não sabia há quantos anos atrás, o tempo para ele fluía de maneira diferente. A técnica consistia em pendurar sua presa com a cabeça para baixo, aplicar-lhe um pequeno corte no pescoço e esperar o sangue jorrar. Ele adorava ver o sangue jorrar enquanto seu jantar urrava sons incompreensíveis, sons estes que eram um verdadeiro deleite para seus ouvidos, e só faziam sua fome aumentar ainda mais. De acordo com o que aprendeu, toda a adrenalina gerada pela presa aumentava o sabor de sua refeição, e o sangue escorria diretamente para uma vasilha, seria usado como molho por sobre a carne. Ele abominava o desperdício, nada devia ser desperdiçado.

De todas as invenções da humanidade a que ele mais apreciava eram os avanços da culinária, no inicio apenas era possível acender uma fogueira (E ah, ele sabia como acender fogueiras) e esperar a carne queimar um pouco, não era bom, não era o adequado… Muito desperdício. Mas agora… Agora havia tantas opções para se fazer, tantos pratos novos para serem criados, tantas variações a serem testadas, a cada vez que cozinhava ele tentava uma técnica nova e apenas se surpreendia com o resultado.

Enquanto observava sua carne apenas urrando, ele lembrou de uma dessas técnicas que não utilizava a bastante tempo. Seria perfeita para uma entrada.

Ele então se dirige até sua refeição, que ainda sangrava e se mexia bastante, ele agarra a cabeça de sua presa com a mão esquerda e sussurra.

– Em algumas culturas é comum a crença de que quando alguém é devorado sua força é absorvida. Eu não acredito nisso nem um pouco, na verdade eu SEI que isso não é real. Pra mim comida é apenas… Comida. Mas se isso te fizer sentir melhor, então que seja.

Com sua mão direita ele afunda seus dedos fortemente no globo ocular de sua refeição, arranca um olho de lá e dá uma mordida em metade. O som se assemelhava ao de uma noz sendo quebrada.

“CRAC!”

Enquanto ele mastiga sua expressão é de satisfação total. Sua refeição não parava de urrar, na verdade de rogar por misericórdia.

– POR FAVOR! POR FAVOR! NÃAAAAO!!!

Mas ele aprendeu que não era educado conversar com sua refeição enquanto estava comendo.

Ele então resolve tentar algo novo, uma das tantas variações que a culinária lhe permitia. Ele mergulha a metade do globo ocular restante no sangue e morde novamente.

– Hmmmm – Diz ele, com total satisfação – Por meu pai! Que maravilhoso. Preciso fazer isso novamente.

Sua mão então se dirige para o olho esquerdo, que em um movimento rápido é arrancado, ele o mergulha no sangue e o joga todo em sua boca.

“CRAC”

– Hmmmmmm!

Sua refeição urrava mais baixo agora.

“CRAC”

– POR FAVOR… POr fa…

Silêncio.

Ele então lambe seus dedos em puro êxtase. “Pena que eles só possuem dois olhos”, ele pensa.

– Eu sei o que estão pensando! – Diz ele, para todas suas outras refeições que estavam amarradas e assistiam a cena em puro choque – Estão pensando que não tem como eu ter espaço para todos vocês. Mas se preocupem. NADA deve ser desperdiçado…

Um comentário sobre “Gula

Deixe um comentário